Fonte: Correio do Brasil
sexta-feira, 1 de agosto de 2014
As ameaças da Grande Transformação (II)
A preservação do meio ambiente não
deve ser vista como a única e principal prioridade mundial. Tudo no planeta
está em jogo em termos de preservação. Surge o pensamento de uma ecologia
baseada na preservação da qualidade de vida. Uma nova forma de habitar a nosssa Casa Comum. É hora de começar a pensar em um Socialismo Ambiental. Todos
preservando e todos cuidando de todos. É a vida em harmonia total desenvolvendo
práticas direcionadas para o bem da vida em comum.
O que você vai ler agora tem muito a
ver com essa sustentabilidade coletiva e amiga da vida.
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Analisamos, no artigo anterior,
as ameaças que nos traz
a transformação da economia de mercado em sociedade de mercado com a dupla
injustiça que acarreta: a social e a ecológica. Agora queremos nos deter em sua
incidência no âmbito da ecologia tomada em sua mais vasta acepção, no
ambiental, social, mental e integral.
Constatamos
um fato singular: na medida em que crescem os danos à natureza que afetam mais
e mais as sociedades e a qualidade de vida, cresce simultaneamente a
consciência de que, na ordem de 90%, tais danos se tributam à atividade
irresponsável e irracional dos seres humanos, mais especificamente, àquelas
elites de poder econômico, político, cultural e midiático que se constituem em
grandes corporações multilaterais e que assumiram por sua conta os rumos do
mundo. Temos, com urgência, que fazer alguma coisa que interrompa este percurso
para o precipício. Como adverte a Carta da Terra: “ou fazemos uma aliança
global para cuidar da Terra e uns dos outros, ou arriscamos a nossa destruição
e a da diversidade da vida” (Preâmbulo).
A
questão ecológica, especialmente após o Relatório do Clube de Roma em 1972 sob
o título “Os Limites do Crescimento”, tornou-se tema central da política, das
preocupações da comunidade científica mundial e dos grupos mais despertos e
preocupados pelo nosso futuro comum.
O
foco das questões se deslocou: do crescimento/desenvolvimento sustentável
(impossível dentro da economia de mercado livre) para a sustentação de toda a
vida. Primeiro há que se garantir a sustentabilidade do planeta Terra, de seus
ecossistemas, das condições naturais que possibilitam a continuidade da vida.
Somente garantidas estas precondições, se pode falar em sociedades
sustentáveis e em desenvolvimento sustentável ou de qualquer outra atividade
que queira se apresentar com este qualificativo.
A visão dos astronautas reforçou a nova consciência. De
suas naves espaciais ou da Lua se deram conta de que Terra e a Humanidade
formam uma única entidade. Elas não estão separadas nem justapostas. A
Humanidade é uma expressão da Terra, a sua porção consciente, inteligente e
responsável pela preservação das condições da continuidade da vida. Em nome
desta consciência e desta urgência, surgiu o princípio responsabilidade (Hans
Jonas), o princípio cuidado (Boff e outros), o princípio sustentabilidade
(Relatório Brundland), o princípio interdependência, o princípio cooperação
(Heisenberg/Wilson/Swimme/Morin/Capra) e o princípio prevenção/precaução (Carta
do Rio de Janeiro de 1992 da ONU), o princípio compaixão (Schoppenhauer/Dalai
Lama) e o princípio Terra (Lovelock e Evo Morales).
A
reflexão ecológica se complexificou. Não se pode reduzi-la apenas à preservação
do meio ambiente. A totalidade do sistema mundo está em jogo. Assim, surgiu uma
ecologia ambiental que tem como meta a qualidade de vida; uma ecologia social
que visa um modo sustentável de vida e uma sobriedade compartida (produção,
distribuição, consumo e tratamento dos dejetos); uma ecologia mental que se
propõe erradicar preconceitos e visões de mundo, hostis à vida e formular um
novo design civilizatório, à base de princípios e de valores para uma nova
forma de habitar a Casa Comum; e, por fim, uma ecologia integral que se dá
conta que a Terra é parte de um universo em evolução e que devemos viver em
harmonia com o Todo, uno, complexo e perpassado de energias que sustentam a
vitalidade da Terra e carregado de propósito.
Criou-se,
destarte uma grelha teórica, capaz de orientar o pensamento e as práticas
amigáveis à vida. Então, se torna evidente que a
ecologia mais que uma técnica de gerenciamento de bens e serviços escassos
representa uma arte, uma nova forma de relacionamento com a vida, a natureza e
a Terra e a descoberta da missão do ser humano no processo cosmogênico e no
conjunto dos seres: cuidar e preservar.
Por todas as partes do mundo,
surgiram movimentos, instituições, organismos, ONGs, centro de pesquisa, cada
qual com sua singularidade: quem se preocupa com as florestas, quem com os
oceanos, quem com a preservação da biodiversidade, quem com as espécies em
extinção, quem com os ecossistemas tão diversos, quem com as águas e os solos,
quem com as sementes e a produção orgânica. Dentre todos estes movimentos cabe
enfatizar o Greenpeace pela persistência e coragem de enfrentar, sob riscos,
aqueles que ameaçam a vida e o equilíbrio da Mãe Terra.
A
própria ONU criou uma série de instituições que visam acompanhar o estado da
Terra. As principais são o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente), a FAO (Organização das Nações Unidas para a alimentação e a
agricultura), a OMS (Organização Mundial para a Saúde), a Convenção sobre a
Biodiversidade e especialmente o IPPC (Painel Intergovernamental para as
Mudanças Climáticas) entre outras tantas.
Esta
Grande Transformação da consciência opera uma complicada travessia, necessária
para fundar um novo paradigma, capaz de transformar a eventual tragédia
ecológico-social numa crise de passagem que nos permitirá um salto de qualidade
rumo a um patamar mais alto de relação amistosa, harmoniosa e cooperativa entre
Terra e Humanidade. Se não assumirmos esta tarefa o futuro comum estará
ameaçado.
Fonte: Correio do Brasil
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